CARPETE DESBOTADO

CARPETE DESBOTADO Num canto esquecido da sala escura, minhas memórias ecoam. Sombras, sentimentos, dores, angústia, temor. Sentado e solitário, sobre aquele carpete desbotado. Choro. Não, não vivi aquela época, mas sinto cada grito, cada urro, cada berro, gemidos como se fossem meu. Me sinto pendurado num pau de arara, tomei choque, tive as unhas arrancadas com alicate, tive a cabeça enfiada dentro de um balde com água gelada. Grito. Acordo com o meu próprio berro ensurdecedor, não delato, morro. Não pode voltar. Ela não pode trazer de volta todo o sofrimento. Sim, fui arrancado de minha família para um exílio forçado. Não. Meu corpo não foi encontrado, talvez flutue no mar, ou tenha sido enterrado em algum cemitério clandestino. Hoje há a pressão para ela voltar, há toda uma intolerância e racismo insanos. Um punhado de brancos odiosos e ricos. Não querem que os de baixo, subam. Por isso golpeiam até desistirmos. Como se em meu sonho, arrancassem minha família de mim. Continua a angústia de querer acordar, mas agora estapeiam violentamente a minha cara. Há uma marca de mão. Parece que querem arrancar a minha alma. A pressão é insuportável. Não sei se suportaria. Agora, estou internado em um convento da França, isolado, sofrendo. Não, não pode voltar. Não aguentaria viver tudo novamente. Agora, grampeiam todo mundo, ordem de prisões aos borbotões, imprensa suja, uma elite que não compartilha. Parece-me que o tempo mistura os fatos, os fatos se entrelaçam, o tempo confunde, as visões embaralham, o torpor se repete. A dor atinge o âmago. Num canto esquecido da sala escura, sentado sobre um tapete desbotado, choro. Marcos Túlio

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