Os hinos brasileiros

Os hinos brasileiros Crônica de 10/12/2002 LUÍS NASSIF Os hinos brasileiros Na copa do Mundo, um grande jornal inglês, não me lembro qual, ficou maravilhado com o "Hino Nacional Brasileiro". Na minha infância, e na de todos os brasileirinhos, o "Hino" é uma lembrança inesquecível. Deveríamos ser país de poucos hinos, gênero mais afeito a períodos de guerra. No entanto a musicalidade brasileira legou uma coleção de hinos de primeiríssima, que ajudaram a plasmar a nacionalidade, a trazer para junto do país os rincões mais longínquos. O maior de todos, obviamente, é o "Hino Nacional", um dobrado de Francisco Manuel da Silva do século 19, que se tornou hino após a Proclamação da República, recebendo letra de Joaquim Osório Duque Estrada e ganhando o ritmo da marcha batida. Na infância, a gente dizia de boca cheia que só a "Marselhesa" chegava perto do nosso hino. Mas houve outros hinos clássicos a incendiar nossa imaginação infantil. O da Proclamação da República, de Leopoldo Miguez, era de arrepiar, principalmente quando se chegava ao refrão clássico: "Liberdade, liberdade / abre as asas sobre nós, / nas lutas, nas tempestades / dá que ouçamos sua voz". Em 1969, nosso grupo de teatro de São João da Boa Vista correu o interior levando "Liberdade, Liberdade", de Millôr Fernandes e Flávio Rangel. Eu ficava ao violão, acompanhando o trio excepcional de atores-cantores, a Suzana, o Ricci e o Erimílio. Grande ponto de apoio à formação da música brasileira do início do século foram as corporações militares, especialmente as bandas das PMs e dos Fuzileiros Navais, escolas que legaram ao país instrumentistas fantásticos que se espalharam pela música brasileira -de Bonfiglio de Oliveira a Severino Araújo e meu amigo Stanley, clarinetista-, até autores de dobrados, cuja reputação acabou restrita ao meio militar e dos cultivadores do gênero. São desse grupo peças clássicas, como a "Canção do Marinheiro", de 1921, de autoria de M. Espírito Santo e B. X. Macedo, o hino que mais me comovia na infância: "Qual cisne branco, que em noite de lua / vai navegando no mar azul / minha galera também flutua / nos verdes mares, de norte a sul". Havia hinos menos conhecidos, mas nem por isso menos bonitos. O "Hino à Bandeira Nacional", de Francisco Braga, é um monumento de lirismo cívico: "Salve lindo pendão da esperança / salve símbolo augusto da paz". O "Hino da Independência", de Dom Pedro 1º e Evaristo da Veiga, mostrava ser o imperador um compositor de mão-cheia: "Já podeis da pátria, filhos / ver contente a mãe gentil". Está certo que, na minha infância, a paródia era mais conhecida: "Japonês tem quatro filhos / todos quatro aleijados". No início do seu governo, Fernando Henrique Cardoso convidou um grupo de grandes empresários a visitar o Palácio da Alvorada. No meio do tour, sentou-se ao piano e tocou um hino que compusera em homenagem ao Brasil, equiparando-se a Dom Pedro 1º. Segundo uma das testemunhas, manter o hino inédito foi um gesto de muita prudência do senhor presidente. Os anos 20 e 30 foram pródigos em marchas militares, compostas até por compositores populares inebriados com os feitos militares do período. Catulo e Henrique Voegeler compuseram "24 de Outubro": "Vinde a nós, bravos Getúlios, destemidos Florianos, os Juarez soberanos, generais triunfadores". O mesmo Voegeler, em parceria com Horácio Campos, compôs em 1930 os "18 de Copacabana". Juarez Távora foi um mito enorme, à altura de Luiz Carlos Prestes. Em sua homenagem, João Valença e Oscar Brandão compuseram o "Hino a Juarez", que falava de "Juarez, bravo dos bravos, filho da terra e da luz". Hino é um gênero tão bonito que, quando saí de Poços, em 1970, tentei deixar minha marca na cidade disputando o "Hino do Centenário". Dancei. Mas o coral da Escola Dom Bosco do Padre Carlos, ensaiado pela inesquecível Maria, durante anos manteve meu hino vivo na cidade: "Nas montanhas, nas matas de Minas / alegria, veloz mensageira / surge na serra de São Domingos / se esparrama pela Mantiqueira. / Alegrando as tristezas vizinhas / preparando a festa geral / madrugada se afasta de manso / vem chegando de manso o sol. / E Poços, centenário / se ergueu, se espreguiçou / lavou-no orvalho / das suas manhãs / das nossas manhãs".

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