Justiça em debate

Justiça em debate


Essa semana foi marcada por um importante debate sobre o controle externo do Judiciário brasileiro. A Associação dos Magistrados do Brasil questiona os poderes de fiscalização que o Conselho Nacional de Justiça possui e tenta limitar esses poderes com uma Adin proposta no STF. A ministra Eliane Calmon, corregedora do CNJ, chegou a afirmar que há bandidos de toga que querem acabar com o controle do CNJ dos abusos cometidos por alguns juízes. Esse debate promete muitos capítulos. Abaixo, a transcrição do artigo do jornalista Ricardo Carvalho da Carta Capital.
Marcos Túlio


"Ficha Limpa para magistrados

Ricardo Carvalho


A polêmica desencadeada pelas declarações da corregedora nacional do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Eliana Calmon, levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a buscar uma solução alternativa para a discussão dos limites e funções do órgão de controle externo do Judiciário, em exercício desde 2005. Ao comentar em entrevista a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) movida pela Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) no Supremo Tribunal Federal (STF) para reduzir as competências do Conselho, a corregedora classificou a atitude como o “primeiro caminho para a impunidade da magistratura, que hoje está com gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga”.

A Adin deveria ter sido levada na última quarta-feira 28 ao plenário do STF, mas o assunto não entrou em pauta e foi adiado. Os juízes do Supremo tentam costurar um acordo de conciliação, segundo o qual as corregedorias estaduais teriam um prazo para tomar medidas contra magistrados acusados de irregularidades. Somente após o vencimento deste período o CNJ teria prerrogativas para investigar e punir os suspeitos. Hoje, o Conselho tem independência para apurar e aplicar sanções a membros da magistratura independentemente da atuação das corregedorias regionais.

A declaração da corregedora virou alvo de críticas de colegas do próprio CNJ, entre eles o presidente da entidade e do Supremo, Cezar Peluso. Em nota assinada por 12 integrantes, Peluso “repudia, veementemente, acusações levianas que, sem identificar pessoas, nem propiciar qualquer defesa, lançam, sem prova, dúvidas sobre a honra de milhares de juízes que diariamente se dedicam ao ofício de julgar com imparcialidade e honestidade, garantindo a segurança da sociedade e a estabilidade do Estado Democrático de direito, e desacreditam a instituição perante o povo”.


O debate tomou grandes proporções e ocupou as primeiras páginas dos principais jornais do País ao longo desta semana. Para uns, a AMB representa interesses corporativistas de um grupo de magistrados que não quer estar sob o crivo de uma entidade independente. Para outros, o controle exercido por corregedorias regionais é suficientemente efetivo e as investigações do CNJ desconsideram garantias constitucionais. Este último, pelo menos, foi o argumento utilizado pelo presidente da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro, Antonio César Siqueira, em artigo assinado na Folha de S.Paulo na quinta-feira 29. “Todas as liminares concedidas pelo STF contra decisões do Conselho, sob a firme e sóbria liderança do ministro Cesar Peluso, tiveram como base a inobservância de um ou mais garantias constitucionais: ampla defesa, devido processo legal, contraditório ou justa causa”.

(...)

A AMB pede a impugnação da Resolução nº 135 do CNJ, que teria subvertido as funções atribuídas ao órgão pela Constituição. De acordo com uma nota emitida pela associação, “a Constituição estabelece que o CNJ possui competência disciplinar para impor sanções aos magistrados, desde que seja observada a competência dos Tribunais. Isto é: quem primeiro processa o magistrado é o tribunal, depois o CNJ”.

Na prática, isso significa que o Conselho apenas poderia agir contra magistrados suspeitos de ilegalidades após as corregedorias julgarem as suspeitas. Teme-se que, com isso, os processos contra juízes sejam propositalmente atrasados para que os crimes sejam prescritos.

Os críticos a Adin, entretanto, desconsideram a interpretação da AMB contra a resolução. Eles se baseiam no artigo constitucional 103-B, § 4.º, inciso III, que diz: “compete ao Conselho receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, sem prejuízo da competência disciplinar e correcional dos tribunais, podendo determinar sanções administrativas”. O senador Torres complementa: “Se está escrito ‘sem prejuízo dos tribunais’, o CNJ pode, pela Constituição, atuar independentemente das corregedorias locais”.


A defesa pela manutenção do poderes do Conselho mobilizou o Senado e criou uma situação de união entre membros da bancada do governo e da oposição. O democrata propôs um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) que visa explicitar as prerrogativas constitucionais do órgão, de modo a reconhecer a independência do CNJ. Caso o Supremo julgue procedente a ação movida pela AMB, os senadores pretendem restituir as funções do Conselho pela emenda. Assinaram a PEC 55 senadores de diferentes partidos.

É o caso do líder do PT na Casa, Humberto Costa. Segundo ele, mesmo a proposta de conciliação do Supremo deve ser questionada. “É uma medida paliativa, vai mascarar a perda de poder que órgão sofrerá caso a Adin seja validada. O melhor é que as coisas permaneçam como estão.”

Costa defende a atuação do Conselho. O argumento de que muitas garantias constitucionais são desconsideradas nas correções é político, diz o petista, para quem o CNJ sempre observou o direito ao contraditório e à ampla defesa dos acusados. “Infelizmente determinados seguimentos se consideram mais cidadãos do que outros e pensam que são imunes a qualquer tipo de punição.”

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De acordo com a Folha de S.Paulo, 49 magistrados foram punidos até hoje pelo Conselho, entre eles Paulo Medina, ministro do Superior Tribunal de Justiça. Ele foi acusado de venda de sentenças e, por isso, teve estabelecida sua aposentadoria compulsória. Caso as competências do CNJ sejam limitadas pela Adin, os acusados poderão ter suas sanções revistas".

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