A Grã-Bretanha de 2011 evoca a França de 2005

A Grã-Bretanha de 2011 evoca a França de 2005

Gianni Carta

Londres vive novos saques e prisões na madrugada deste domingo. Conflitos começaram após polícia ter matado um morador negro na quinta-feira. Foto: Leon Neal

As cenas de jovens encapuzados a confrontar a polícia na Grã-Bretanha desde sábado, 7, evocam aquelas que varreram a França no final de 2005. Em ambos países a onda de violência foi provocada pela morte de integrantes de minorias pela polícia. Embora não disponham de AK-47s, os manifestantes adotaram táticas de guerrilha urbana, mobilizando-se por meio de redes sociais. Líderes políticos conservadores na França e Grã-Bretanha os qualificaram de ‘’escória’’, ou ‘’doentes’’. E as forças de segurança agiram, e agem, com a costumeira brutalidade. Até a noite de quarta-feira 10, 563 pessoas tinham sido presas e 105 indiciadas, na Grã-Bretanha.

Por trás das mortes, há raízes profundas esparramadas por toda Europa: o capitalismo desenfreado e a subseqüente recessão criaram duas Grã-Bretanhas e duas Franças. E a fissura entre privilegiados e classes médias tende a se alastrar. No Reino Unido, por exemplo, o governo cortou os impostos do 1% dos mais endinheirados e aumentou o valor agregado em período de recessão. Mas, enquanto o nível de desemprego cresce no setor público, o programa de austeridade implementado pelo governo reduz a qualidade dos serviços. Ou seja, o poder aquisitivo das classes médias está em queda livre. Ao mesmo tempo, a fatia de pobres, em sua maior parte formada por minorias marginalizadas, está em ascensão.

Na Grã-Bretanha, os conflitos tiveram início numa manifestação pacífica no sábado em Tottenham, bairro a concentrar diversas etnias ao nordeste de Londres. Dois dias antes, a Scotland Yard matou Mark Duggan, um negro de 29 anos, pai de quatro filhos, no mesmo bairro. As circunstâncias a levar os oficiais a matá-lo são nebulosas. Nada de novo. No caso do brasileiro Jean Charles de Menezes, morto com vários tiros na testa num metrô londrino, a mítica Scotland Yard ofereceu uma versão, e depois outras.

Em Paris, não se sabe até que ponto a polícia esteve envolvida na morte de dois adolescentes muçulmanos. Para evitar uma enésima batida policial no subúrbio parisiense de Clichy-sous-Bois, em outubro de 2005, Bouna Traore, 15 anos, e Zyed Benna, 17 anos, morreram eletrocutados numa estação de transmissão elétrica. Habituados a ter de mostrar documentos a policiais, talvez tenham tentado evitar um interrogatório, que pode terminar na delegacia – e durar mais de quatro horas.

À época, o vice-prefeito socialista de Chichy-sous-Bois, Stéphane Testé, me disse: ‘’Não esperávamos ser o epicentro dessa crise nacional, mas os ingredientes para uma reação violenta coexistem aqui faz décadas’’. Muito diferente foi o discurso do então ministro do Interior Nicolas Sarkozy. Em busca de votos da extrema-direita para a presidencial de 2007, chamou os manifestantes a confrontar a polícia de ‘’escória’’.

Em Londres, o premier David Cameron fez um discurso parecido ao de Sarkozy, qualificando os manifestantes de ‘’doentes’’. Emendou Cameron: ‘’Se vocês têm idade suficiente para cometer esses crimes, têm idade suficiente para enfrentar as punições’’. Cameron, é compreensível, não está nada contente com as cenas de pessoas a saquear e vandalizar lojas, supermercados e residências em Londres e em várias cidades britânicas. Por isso, encurtou as férias na Toscana e convocou uma reunião parlamentar extraordinária para debater a onda de protestos na quinta-feira 11.


Num mundo ideal, Cameron deveria escutar Lee Jasper, ativista pelos direitos das minorias, para temperar seu discurso. Jasper disse para o diário italiano La Repubblica que as comunidades menos privilegiadas foram abandonadas ao seu destino. ‘’Condeno a violência, mas em parte. Condeno muito mais a violência econômica: o desemprego, a falta de oportunidade para os jovens no futuro. Essa violência não é reconhecida.’’ Lee Jasper está coberto de razão.
(Extraído da Carta Capital)

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