Em entrevista, presidente da ONG “Tortura Nunca Mais”, Cecília Coimbra, reage com indignação ao recuo de Dilma na proposta de acabar com o sigilo eterno dos documentos públicos
"Espero que essas marcas falem mais alto à presidente do que os acordos que foram feitos"
Em entrevista, presidente da ONG “Tortura Nunca Mais”, Cecília Coimbra, reage com indignação ao recuo de Dilma na proposta de acabar com o sigilo eterno dos documentos públicos.
Por Pedro Venceslau [15.06.2011 13h00]
Passada a fase mais aguda do imbróglio desencadeado pela evolução patrimonial do ex-ministro Antonio Palocci, a expectativa na base aliada era de um período de calmaria e boas notícias.
Mas, para frustração do Palácio do Planalto, a estratégia de adotar uma agenda positiva para enterrar a crise acabou ficando em segundo plano devido à decisão da presidente de recuar na proposta de acabar com o sigilo eterno dos documentos públicos.
Diante da forte reação do movimento de Direitos Humanos e de partidos aliados, Dilma acabou por retirar a urgência do projeto que tramita no Congresso. Ou seja, a polêmica ficou para depois.
Nessa entrevista, a presidente da ONG Tortura Nunca Mais, Cecília Coimbra, reage com indignação ao recuo de Dilma. "Algumas pessoas esquecem o passado quando assumem o poder".
Como avalia o retrocesso do governo na decisão de manter o sigilo eterno dos documentos oficiais?
Isso é terrível, um retrocesso. Ouviram muito pouco os familiares dos mortos e desaparecidos durante a ditadura e os movimentos de direitos humanos. É claro que isso interessa também a toda sociedade, aos historiadores e aos pesquisadores, mas as pessoas que estão nessa luta há 30 anos não foram sequer consultadas.
A postura de Dilma é um achincalhe a toda proposta feita pela Secretaria Especial de Direitos Humanos. A própria Comissão da Verdade, que está travada na Câmara, para nós é uma Comissão da mentira. É uma grande mise-en-scène para a mídia.
Acredita que a presidente Dilma Rousseff recuou devido à pressão dos ex-presidentes Fernando Collor e José Sarney?
É claro que o sigilo eterno interessa a eles devido às coisas pouco honradas feitas em seus respectivos governos. Mas existe também uma pressão do ministério da Defesa que não aparece, também de segmentos militares.
O ex-deputado José Genoino, que foi preso político e esteve na guerrilha do Araguaia, aceitou um convite para ser assessor do ministro Nelson Jobim no Ministério da Defesa. Como avalia essa decisão e a atuação dele na pasta?
Acho isso péssimo, lamentável. Ele manchou toda sua história de vida e resistência.
Não acha que Genoino pode ser um contraponto dentro de um ministério conservador?
De jeito nenhum. Achar isso é pura ingenuidade. E sabemos que o José Genoino não é ingênuo. Trata-se de uma crença política de que o possível, hoje, é isso.
Ele nunca nos procurou. É uma coisa muito estranha ele aceitar a Medalha do Pacificador, a Comenda mais alta do Exército que foi dada aos torturadores.
A presidente Dilma é uma ex-presa política. Esperava dela outra postura devido ao seu passado?
As marcas de quem foi preso e torturado ficam com a gente a vida inteira. Não saem. Espero que essas marcas falem mais alto à presidente do que os acordos que foram feitos.
Mas infelizmente os acordos estão prevalecendo. Algumas pessoas esquecem o passado quando assumem o poder ou determinados cargos.
Que acordos?
Desde a anistia, vários acordos foram feitos. Quando o (ex-presidente) Sarney assume, outros acordos foram selados. Quando Lula assume, idem. Eu fui do PT e deixei o partido indignada. Nós assistimos esse processo dentro do PT na primeira e na segunda eleição do Lula. Os acordos foram feitos com forças que respaldaram a ditadura e efetivamente participaram do estado de terror.
Como avalia o desempenho da ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário?
Ela chegou com um discurso muito interessante. Isso fez com que esperássemos algo mais que o Paulo Vanucchi fez. Mas infelizmente quem ocupa essa pasta sai queimado.
Até quando o projeto de lei que cria a Comissão da Verdade ficará travado no Congresso?
Essa é uma prática que vem sendo utilizada desde 1985; a produção do esquecimento. Trabalho com psicologia social e vejo muito isso. Mesmo o pessoal dito de esquerda, militante, acaba esquecendo o projeto que está lá, que é tetraplégico.
Por que tetraplégico?
Olha, digo isso com todo respeito aos tetraplégicos. Mas o projeto é uma farsa porque retiraram do texto o período da ditadura militar, de 1964 a 1985. Nós não falamos em condenação, mas em conhecer, dar publicidade e responsabilizar os torturadores. O Brilhante Ulstra, por exemplo, tinha que contar tudo que viu e que fez.
Os militares dizem que esse procedimento também devia valer para os militantes de esquerda...
Já fizeram isso com a gente. Todos nós respondemos a processos. Vários militantes foram julgados à revelia. As pessoas foram banidas do Brasil e tiveram filhos no exterior. Nós respondemos e muito.
O que o "Tortura Nunca Mais" pretende fazer?
Encaminhamos diversos pedidos de audiência para a Dilma e nem recebemos resposta. Lembre-se que o Brasil foi condenado pela OEA. O governo tem até dezembro para responder a Corte da OEA. Até agora, nada.
A presidente do "Tortura Nunca Mais" de São Paulo, Rose Nogueira, e outras ex-presas políticas estiveram na posse de Dilma e foram recebidas por ela. Por que a senhora não foi?
Porque eu não vou lá fazer número e mostrar que esse é um governo aberto, democrático e participativo. Queremos ações concretas. Queremos que a presidente nos receba.
Pretende mover alguma ação contra o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), que várias vezes afirmou que só cachorro busca osso?
Não vamos dar mais alimento e adubar fala de fascista.
Publicado por Brasil Econômico
(Extraído da Revista Fórum)
Em entrevista, presidente da ONG “Tortura Nunca Mais”, Cecília Coimbra, reage com indignação ao recuo de Dilma na proposta de acabar com o sigilo eterno dos documentos públicos.
Por Pedro Venceslau [15.06.2011 13h00]
Passada a fase mais aguda do imbróglio desencadeado pela evolução patrimonial do ex-ministro Antonio Palocci, a expectativa na base aliada era de um período de calmaria e boas notícias.
Mas, para frustração do Palácio do Planalto, a estratégia de adotar uma agenda positiva para enterrar a crise acabou ficando em segundo plano devido à decisão da presidente de recuar na proposta de acabar com o sigilo eterno dos documentos públicos.
Diante da forte reação do movimento de Direitos Humanos e de partidos aliados, Dilma acabou por retirar a urgência do projeto que tramita no Congresso. Ou seja, a polêmica ficou para depois.
Nessa entrevista, a presidente da ONG Tortura Nunca Mais, Cecília Coimbra, reage com indignação ao recuo de Dilma. "Algumas pessoas esquecem o passado quando assumem o poder".
Como avalia o retrocesso do governo na decisão de manter o sigilo eterno dos documentos oficiais?
Isso é terrível, um retrocesso. Ouviram muito pouco os familiares dos mortos e desaparecidos durante a ditadura e os movimentos de direitos humanos. É claro que isso interessa também a toda sociedade, aos historiadores e aos pesquisadores, mas as pessoas que estão nessa luta há 30 anos não foram sequer consultadas.
A postura de Dilma é um achincalhe a toda proposta feita pela Secretaria Especial de Direitos Humanos. A própria Comissão da Verdade, que está travada na Câmara, para nós é uma Comissão da mentira. É uma grande mise-en-scène para a mídia.
Acredita que a presidente Dilma Rousseff recuou devido à pressão dos ex-presidentes Fernando Collor e José Sarney?
É claro que o sigilo eterno interessa a eles devido às coisas pouco honradas feitas em seus respectivos governos. Mas existe também uma pressão do ministério da Defesa que não aparece, também de segmentos militares.
O ex-deputado José Genoino, que foi preso político e esteve na guerrilha do Araguaia, aceitou um convite para ser assessor do ministro Nelson Jobim no Ministério da Defesa. Como avalia essa decisão e a atuação dele na pasta?
Acho isso péssimo, lamentável. Ele manchou toda sua história de vida e resistência.
Não acha que Genoino pode ser um contraponto dentro de um ministério conservador?
De jeito nenhum. Achar isso é pura ingenuidade. E sabemos que o José Genoino não é ingênuo. Trata-se de uma crença política de que o possível, hoje, é isso.
Ele nunca nos procurou. É uma coisa muito estranha ele aceitar a Medalha do Pacificador, a Comenda mais alta do Exército que foi dada aos torturadores.
A presidente Dilma é uma ex-presa política. Esperava dela outra postura devido ao seu passado?
As marcas de quem foi preso e torturado ficam com a gente a vida inteira. Não saem. Espero que essas marcas falem mais alto à presidente do que os acordos que foram feitos.
Mas infelizmente os acordos estão prevalecendo. Algumas pessoas esquecem o passado quando assumem o poder ou determinados cargos.
Que acordos?
Desde a anistia, vários acordos foram feitos. Quando o (ex-presidente) Sarney assume, outros acordos foram selados. Quando Lula assume, idem. Eu fui do PT e deixei o partido indignada. Nós assistimos esse processo dentro do PT na primeira e na segunda eleição do Lula. Os acordos foram feitos com forças que respaldaram a ditadura e efetivamente participaram do estado de terror.
Como avalia o desempenho da ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário?
Ela chegou com um discurso muito interessante. Isso fez com que esperássemos algo mais que o Paulo Vanucchi fez. Mas infelizmente quem ocupa essa pasta sai queimado.
Até quando o projeto de lei que cria a Comissão da Verdade ficará travado no Congresso?
Essa é uma prática que vem sendo utilizada desde 1985; a produção do esquecimento. Trabalho com psicologia social e vejo muito isso. Mesmo o pessoal dito de esquerda, militante, acaba esquecendo o projeto que está lá, que é tetraplégico.
Por que tetraplégico?
Olha, digo isso com todo respeito aos tetraplégicos. Mas o projeto é uma farsa porque retiraram do texto o período da ditadura militar, de 1964 a 1985. Nós não falamos em condenação, mas em conhecer, dar publicidade e responsabilizar os torturadores. O Brilhante Ulstra, por exemplo, tinha que contar tudo que viu e que fez.
Os militares dizem que esse procedimento também devia valer para os militantes de esquerda...
Já fizeram isso com a gente. Todos nós respondemos a processos. Vários militantes foram julgados à revelia. As pessoas foram banidas do Brasil e tiveram filhos no exterior. Nós respondemos e muito.
O que o "Tortura Nunca Mais" pretende fazer?
Encaminhamos diversos pedidos de audiência para a Dilma e nem recebemos resposta. Lembre-se que o Brasil foi condenado pela OEA. O governo tem até dezembro para responder a Corte da OEA. Até agora, nada.
A presidente do "Tortura Nunca Mais" de São Paulo, Rose Nogueira, e outras ex-presas políticas estiveram na posse de Dilma e foram recebidas por ela. Por que a senhora não foi?
Porque eu não vou lá fazer número e mostrar que esse é um governo aberto, democrático e participativo. Queremos ações concretas. Queremos que a presidente nos receba.
Pretende mover alguma ação contra o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), que várias vezes afirmou que só cachorro busca osso?
Não vamos dar mais alimento e adubar fala de fascista.
Publicado por Brasil Econômico
(Extraído da Revista Fórum)
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