O Brasil da intolerância, mito ou constatação

O Brasil da intolerância, mito ou constatação



Somos movidos pelos modismos midiáticos. Se há um crime que choca toda a sociedade, o debate sobre conter a escalada da violência se aflora, se um corrupto é pego em suas peripécias fraudatórias, como acabar com a corrupção e assim por diante. Mais à frente, os debates se esfriam e aguardamos novamente novos “casos”. Mas em relação ao racismo, acredito que nossas reações são menos compulsivas como em outros casos.
O caso Balsonaro serviu para a reflexão. Um parlamentar homofóbico, racista, da ultra-direita, que vira e mexe ataca as minorias e reiteradamente se reelege, mostra o quanto não preocupamos em extinguir dos dicionários quaisquer tipos de violência.
Mas o que me preocupa não é o bossal deputado, que representa uma elite conservadora, mas a impregnação dos atos de racismo por muitos de nós. Ainda temos uma concepção de padrão de beleza influenciada pelo ocidente branco e rico. Verifiquem as lojas de perfumes, as de roupas, ou de carros, os anúncios de publicidade, a internet, os meios de comunicação, as telenovelas, os anúncios de emprego. A todo instante, a cena predominante é a da pele clara, os olhos azuis, os cabelos lisos e brilhosos. Toda vez que saio com meu filho de 04 meses, seja em seu carrinho, ou no colo pelas ruas, pessoas param e elogiam, mas se o mesmo fosse de pele escura, parariam? Sim, está impregnado.
O mito da democracia racial que perdurou no Brasil por muitos anos e que até a década de 50, servia de exemplo mundial da boa convivência entre as raças, foi quebrado quando um estudo encomendado pela UNESCO nessa mesma época conseguiu desmitificar o problema, apontando com propriedade, as razões do racismo.
Em certos momentos de nossa história, chegou se a pensar que a mistura racial era bom para o próprio povo negro, pois haveria um processo de embranquecimento da raça e uma conseqüente depuração da mesma. O debate religioso, biológico, político de raça superior e inferior parece superado na maioria dos países, apesar das constantes manifestações racistas nas partidas de futebol na Europa, o mito da supremacia européia sobre as outras se afundou com a Segunda Guerra Mundial. Com propriedade, os estudos sociológicos apontaram para se respeitar as diferenças étnicas, culturais e históricas de cada povo.
O Brasil, apesar da desconstrução feita pelo projeto UNESCO, cujo expoente foi o grande Florestan Fernandes, do mito da democracia racial e de que há uma exploração da elite branca sobre toda uma população negra, ainda percebo manifestações racistas, impregnadas de valores culturais, que remetem ao século XIX. Por exemplo, quantos ainda comentam quando um negro ou negra namoram ou casam com loiro ou loira, de que o relacionamento servirá para purificar a raça? Seria a volta da tese da depuração do início do século XX? Quantos de nós não convivemos num mesmo ambiente, seja social, familiar, no trabalho ou na escola, entre negros, negras, brancos e brancas. Há muitos que defendem que as oportunidades são para todos, mas só os com espírito de vencedores seguirão. Ou que os negros não podem ter cotas, pois estaríamos diferenciando numa sociedade democrática que pressupõe a igualdade. Será? Há todo esse ambiente para negros e negras chegarem aos mais altos cargos nas grandes empresas, nas profissões mais valorizadas, nas rodas da alta sociedade? Será que o problema é apenas da má distribuição de renda e a segregação não é racial, mas, social?
O racismo está impregnado nas relações de trabalho, onde uma mulher negra ganha 40% do que um homem branco ganha. Está na educação, onde uma mínima parte do povo negro alcança a universidade, está no entretenimento, nas relações de poder, no judiciário, no Congresso Nacional, nos poderes executivos espalhados pelo país. Por que os negros estão em sua maioria, em profissões consideradas pouco valorizadas como o trabalho doméstico e na construção civil? Por razões de falta de oportunidades para o mesmos? Há uma herança histórica de exclusão e a sociedade brasileira tem que reparar o que nos incomoda. O povo saiu liberto da senzala para a escravidão da falta de trabalho, para a escravidão da falta de política pública, da fome e da miséria, da falta de escola. Da senzala para a favela. Aviltados da cidadania, do emprego, da qualidade de vida. São quase 4 séculos de exploração
Ainda, há diversas manifestações de racismo ou de xenofobia, ou homofobia, ou discriminações diversas contra os trabalhadores e trabalhadoras nordestinos, contra os idosos, os indígenas, as profissionais do sexo, os índios, os aidéticos, ciganos, pessoas de outras manifestações religiosas, enfim, no Brasil, há um inconseqüente histórico de violências múltiplas.
Mas há resistência, há luta. Seja do povo negro que bravamente vem lutando ao longo desses muitos anos e consegue colocar o problema do racismo e da exclusão na pauta do debate público e que a cada instante se encontra mais articulado, seja dos outros trabalhadores que sofrem diversas discriminações.
Por isso essa agenda não pode ser dos movimentos específicos de cada setor perseguido pelas agruras da sociedade preconceituosa como a nossa, mas de todos e todas lutadores por justiça social.
E o racismo está sim impregnado em nossos poros, na nossa pele, no gesto, na fala, no pensamento. Nas palavras de Florestan Fernandes, temos preconceito por sermos preconceituosos.

Marcos Túlio Silva
Presidente da CUT Vale do Aço

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