Entrevista de Lula

Entrevista exclusiva » "Não quero mais o fim da reeleição", diz Lula Denise Rothenburg, Josemar Gimenez e Sílvia Bessa/Estado de Minas

Publicação: 21/04/2010 06:18 Atualização: 21/04/2010 07:52


Presidente diz que mandato de 4 anos é pouco para realizar obras estruturantes
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi procurado pelo PSDB há algum tempo para tratar do mandato presidencial. A proposta era unir PT e PSDB em torno da ampliação do período de quatro para cinco anos e incluir no pacote o fim da reeleição. O relato foi feito ontem pelo próprio Lula, durante entrevista aos Diários Associados, concedida na Biblioteca do Palácio da Alvorada. “Eu disse ao interlocutor que não queria mais o fim da reeleição, não quero mais o fim da reeleição”, contou.

O presidente explica que mudou a opinião porque percebeu que “para se fazer uma obra estruturante neste país, o sujeito, até fazer o projeto básico, executivo, conseguir a licença ambiental e vencer o Judiciário, já terminou o mandato”. Em quase uma hora de conversa, acompanhado do ministro da Secretaria de Comunicação, Franklin Martins, Lula deixou claro que conversará com Ciro sobre a não candidatura, enquadrou o PT de Minas, dizendo que a prévia para escolher candidato do PT acirrará os ânimos. Afirma ainda ver como certo que Michel Temer será o vice capaz de levar o PMDB para Dilma Rousseff. “O PMDB é peça importante na aliança nacional”, diz Lula.

Como é que vai ficar a situação eleitoral em Minas (onde PT e PMDB brigam para indicar o candidato ao governo)? Cansou, já chegou no limite?
A política seria fácil se as pessoas a percebessem como o leito de um rio: a água desce normalmente se ninguém resolver fazer uma barragem. As coisas em Minas tinham tudo para ocorrer normalmente, sem trauma, sentar PT e PMDB e tentar conversar. Tínhamos e temos chance de ganhar na medida em que o Aécio Neves (ex-governador de Minas) não é candidato e ninguém pode transferir 100% dos votos. De repente, o PT resolve fazer uma guerra interna. Essas guerras não resolvem o problema. As pessoas pensam que podem fazer guerras, insultos, provocações e, depois, botar um papel em cima. No PT, não volta à normalidade. Conheço esse partido.

Mas como faz? No momento em que se escolhe um candidato a governador, como é que tira?
Se o PT precipitar as decisões, vai ficar cada vez mais num beco sem saída. A prévia é importante, mas não pode ser usada para resolver problemas que os dirigentes criaram e não conseguem resolver. Se eu criei uma confusão, em vez de resolver, falo: ‘Vamos para uma prévia’? Na história do PT, já tivemos quase guerras fratricidas nessas prévias. Minas é um estado importante, interessa muito ao PT, ao PMDB e ao PSDB. É o segundo estado da federação e muito sofisticado, porque você tem a Minas carioca, a Minas Bahia, a Minas Brasília, a Minas São Paulo, a Minas. É preciso trabalhar isso com carinho.

Minas, pelo jeito, se o senhor não intervir, não resolve. O senhor está disposto a fazer isso?
Se as pessoas fizeram isso achando que tenho que entrar para resolver, não é uma boa atitude. Não sou eleitor de Minas, não estou lá no embate cotidiano. Pimentel e Patrus são políticos experientes, conhecem bem o PMDB de Minas Gerais. Já deveriam estar conversando entre eles e trazer uma solução sem mágoas.

Por falar em mágoas, e Ciro Gomes?
Pretendo conversar com Ciro na medida em que a direção do PSB entenda que já é o momento. Achei interessante quando ele transferiu o título para São Paulo porque era uma probabilidade. No primeiro momento, houve certa reação do PT, depois todos os quadros importantes passaram a admitir que era bom o Ciro ser candidato a governador de São Paulo. Depois, o PSB lançou o Paulo Skaf. O problema não era dentro do PT. Disse para o Ciro que jamais pediria para uma pessoa ou partido não ter candidato a presidente se não tiver argumento sólido. Ser candidato significa a possibilidade de fortalecer os partidos, mas também a possibilidade de perder uma eleição. Eu estou convencido de que essa deveria ser uma eleição plebiscitária. Fazer o confronto de ideias, programas, realizações.

E como fica a disputa pelo governo de São Paulo?
O PT não precisa provar para ninguém que tem 30% dos votos em São Paulo. Precisamos arrumar os outros 20%. Eu disse a Mercadante: ‘É preciso que você arrume o teu José Alencar’. O Alencar teve importância para mim que não é a da quantidade de votos, mas da quantidade de preconceito que quebrou. Se um cara com 15 mil trabalhadores na fábrica, a maior empresa têxtil do país, estava sendo meu vice, um cidadão que tinha dois empregados e tinha medo do Lula perdia o argumento. O discurso do José Alencar quebrou barragem maior do que a de Itaipu. O PT de São Paulo precisa arrumar esse Alencar.

Nesse conceito de vice, Michel Temer não teria esse perfil para a chapa de Dilma?
Deixa eu contar uma coisa: a Dilma tem cartão de crédito de oito anos de administração bem-sucedida no Brasil. Ela foi uma gerente excepcional. O Temer dará a segurança de um homem que deu a vida pública já de muito tempo, tem uma seriedade comprovada no Congresso e hoje está mais fortalecido dentro do PMDB. Se ele for o indicado pelo partido, dará a tranquilidade de que nós não teremos problemas de governabilidade.

A oposição já percebeu essa questão da eleição plebiscitária e começou agora a trabalhar com o slogan "Pode ficar melhor". Isso muda alguma coisa com relação à candidatura da ministra Dilma?
Não, mudaria se eles fizessem a campanha ‘pode ficar pior’. Eu acho que eles têm que prometer fazer mais coisa. O que é importante e que me dá prazer de falar desse assunto, com humildade, é o seguinte: eu mudei o paradigma das coisas nesse país. Quem não queria enxergar, durante meus oito anos de mandato, vai enxergar já daqui para frente.

O senhor disse recentemente que se ressentia de não ter feito a reforma política. O Serra disse que, se eleito, proporá os cinco anos de mandato sem reeleição. Como o senhor avalia isso?
Em política, não vale você ficar falando para inglês ver. Sabe, a história dos cinco anos eles já tiveram. É importante ter em conta que eles reduziram o mandato de cinco para quatro anos pensando que eu ia ganhar as eleições em 1994. Aí eles ganharam e, em 96, aprovaram a reeleição. Aí, para tentarem convencer o Aécio a ser o vice, vieram até me propor que, se o PT e o PSDB estivessem juntos numa reforma política para aprovar cinco anos, sabe, seria o máximo, a gente aprovaria. Eu falei para meu companheiro interlocutor: “Olha, eu era contra a reeleição, agora eu quero que tenha a reeleição mesmo se você ganhar, porque em quatro anos você não consegue fazer nenhuma obra estruturante, nenhuma”. Entre você pensar uma grande obra, fazer projeto básico, executivo, tirar licença ambiental, enfrentar o Judiciário, enfrentar o Tribunal de Contas e vencer todos os obstáculos, termina o mandato e você não começa a obra. Sabe, então eu falei “não quero mais o fim da reeleição”.

Essa conversa aconteceu quando, presidente? Com quem?
Faz algum tempo. Não, porque era a tese do ex-presidente para convencer o Aécio a ser vice. Então, em política não vale ingenuidade. Ou seja, ninguém vai acreditar que o mesmo partido que criou a reeleição venha querer acabar com ela. É promessa para quem? Ninguém está pedindo isso. Só o Aécio está pedindo.

O senhor já está trabalhando com a hipótese de o Aécio ser o vice?
Sinceramente, acho que o Aécio está qualificado para ser o que quiser. Se ele for vice, vai se desgastar. É só pegar o que o Estado de Minas escreveu sobre as divergências de Aécio com Serra para perceber que o Aécio vai colocar muita dúvida na cabeça do povo mineiro.

O senhor tem uma segurança grande com relação ao partido. A ministra Dilma não veio da base do PT. A preocupação é a seguinte: será que a ministra tem condições de ter um poder sobre o partido? Não será monitorada por ele?
Não, não existe hipótese, gente. Primeiro porque uma coisa é a relação de respeito que você tem de ter com o partido. Não é uma relação de medo. Eu vou poder ajudar muito mais a Dilma dentro do PT não sendo presidente. Estarei mais nos eventos do PT, estarei participando mais das coisas do PT.

O senhor acha que vai transferir quanto de sua popularidade para a ministra?
É engraçado porque as pessoas que acham que eu não vou transferir voto para a Dilma acham que o Aécio vai transferir para o Serra. É engraçadíssimo porque as pessoas olham o seu umbigo e dizem: ‘O meu é o mais bonito de que todos’.

Mas seria transferência é automática?
Não, não é automática. Não existe um automaticismo em política.

E o que lhe dá, então, uma segurança tão grande?
O que me dá segurança é que pra o mesmo povo que me dá o voto de confiança há sete anos vou pedir para dar um voto de confiança à Dilma. Vou fazer campanha. Não pensem que vou ficar parado vendo a banda passar. Eu quero estar junto da banda, até porque acho que a campanha da Dilma é parte do meu programa de governo para dar continuidade às coisas que nós precisamos fazer no Brasil.

Há tempo suficiente para torná-la conhecida em alguns lugares do país, como os grotões do Nordeste?
Lá eu não vou nem chegar, lá eles são Lula. Lá estou representado. Eu quero ir é nos outros lugares.

O Nordeste, então, não lhe preocupa?
Lógico que me preocupa porque não existe eleição ganha antes da apuração, mas o carinho que o povo nordestino e do Norte têm por mim é de relação humana forte. Vou pedir o apoio desses companheiros para a minha candidata e vou trabalhar em outros estados. O meu trabalho é o sinal mais forte que posso dar para a sociedade brasileira que não estou pensando em 2014. Quando o político é canalha, ele não quer eleger o sucessor. O velhaco quer voltar.

Essa eleição da Dilma, parece que o senhor tem mais garra com a campanha dela do que com a sua reeleição… É uma questão de honra eleger a Dilma?
Em política não se coloca questão de honra. É de pragmatismo. Estou muito mais animado com a campanha da Dilma do que com a minha. Meu governo já foi avaliado com a minha reeleição. Ele será biavaliado se eleger a Dilma. Daí a minha responsabilidade.

Presidente, nesses oito anos , o que o senhor olhou para trás e pensou: que pena que eu não fiz isso?
Uma coisa eu digo: quando eu deixar a Presidência, vou ser uma pedra no calcanhar do PT para que o PT coloque a reforma política como prioridade, com 365 dias por ano falando de reforma política, procurando aliado para a gente fazer. Sobretudo porque eu acho que o fundo público para financiar as eleições, com a proibição de dinheiro privado, seria uma chance que a gente teria de moralizar o país.

Qual a quarentena que o senhor dará com relação ao futuro governo?
Não tem quarentena. Pretendo não dar palpite no próximo governo. Se pedirem alguma opinião (falava de Dilma), sinceramente acho que quem for eleito tem o direito de governar e de fazer o que entender que deva ser feito. Depois vai ser julgado. Não cabe a mim julgamento e ficar cobrando, como se fosse ex-marido ou ex-mulher, dizendo como o outro tem de ficar vivendo.

Em relação ao seu projeto internacional?
Esse negócio da ONU, vamos ter claro o seguinte: a ONU não pode ter como secretário-geral um político. Tem que ter um burocrata do sistema porque, caso contrário, você entra em confronto com outros presidentes. Vamos melhorar a ONU, mas acho que a burocracia tem de continuar existindo para manter certa harmonia. Eu tenho vontade de trabalhar um pouco a experiência acumulada no Brasil tanto para a África quanto para a América Latina. Não tenho projetos. Só penso agora em terminar o mandato e animar os meus ministros porque vai chegando o fim do mandato e, sabe aquele negócio, vai dando 2h da manhã, você está num baile e já começa a procurar uma cadeira para sentar. Eu quero que todo mundo continue animado e dançando, porque eu quero continuar muito bem até 31 de dezembro.

E o PAC 2 não vai dar tempo de ser começado, presidente?
Por que eu tive de fazer o PAC 2? Para facilitar a vida de quem vai entrar depois. Se não quiser fazer, não faça. Foi eleito presidente, tem o direito de pegar tudo, rasgar e não fazer. O que eu quero? Quero deixar uma prateleira de projetos que não recebi. Deixar a estrutura semeada.

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