MP questiona cobrança de serviços particulares em conta da Cemig

MP questiona cobrança de serviços particulares em conta da Cemig

Paula Takahashi - Estado de Minas Sandra Kiefer - Estado de Minas

Publicação: 11/02/2010 06:24

A Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor de Minas Gerais quer saber por que mais de 300 mil contas de luz estão sendo usadas indevidamente para a cobrança de serviços de particulares, como clubes de lazer, planos de saúde e até funerárias. Em dezembro, foi impetrada ação civil pública na 1ª Vara Estadual da Fazenda Pública contra a Cemig pedindo explicações sobre os contratos firmados com particulares para “desconto em conta” da concessionária de energia elétrica. Alguns deles têm vigência até 2013, segundo o Ministério Público. O MP entende que, ao fazer a cobrança conjunta, a concessionária de energia elétrica está sujeitando indiretamente os consumidores ao corte de luz, serviço de caráter essencial. “A Cemig tornou-se a cobradora dos sonhos de qualquer empresa. Se o cliente não pagar a dívida, fica sem luz. Se a moda pega, daqui a pouco teremos financeiras e bancos cobrando na conta de luz. É um absurdo”, compara o autor da ação, José Antônio Baêta de Melo Cançado. Pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), a prática é abusiva. Primeiro, porque não está redigida no contrato firmado entre a operadora e o cliente. Segundo, por ameaçar o cliente de ter o fornecimento de energia elétrica interrompido em caso de inadimplência, o que configura vantagem manifestamente abusiva de parte da empresa contra o cliente, proibida no artigo 39 do CDC.

Listagem em poder da Assembleia Legislativa de Minas Gerais mostra que 60 das 103 são entidades cadastradas com “desconto em conta” na Cemig para prestação de serviços particulares. As outras são instituições sem fins lucrativos, que aceitam o pagamento de donativos cobrados na fatura. O gerente de vendas do Tangará Country Clube de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, informou que, desde que adotaram a cobrança na conta de luz, a inadimplência foi reduzida abruptamente. "Caiu 98%. Agora a maioria das pessoas paga em dia. Os outros 2% são de outros tipos de cobranças", garante o gerente do clube, que, há cinco anos, passou a cobrar a mensalidade de R$ 41 prioritariamente por meio da conta de luz ou no cartão de crédito.

O aposentado Reinaldo Milagres se arrepende de um dia ter associado sua conta de luz ao pagamento do plano de saúde Clínica de Todos, de Contagem. "Todo mês eram R$ 10 e eu não tinha direito a nada. Todas as consultas e exames eram pagos. Aí quando resolvi cancelar, vieram mais problemas", diz. Várias foram as tentativas de retirar a dívida da conta, mas sem sucesso. "Eu pedia e nada. Liguei vários meses, mas sempre falavam que na próxima fatura não cobrariam mais, o que não acontecia. E eu não podia deixar de pagar, porque teria a minha luz cortada", conta. A alternativa foi recorrer ao Procon Assembleia para pedir o cancelamento. "Agora nunca mais faço isso. A gente fica muito preso", afirma.

Com quase 20 mil associados em Minas, o Cartão de Todos “é difícil de cortar, porque ninguém vai ficar sem luz. Mas o usuário tem a opção de nomear outro tipo de pagamento”, segundo explica o atendente do call center do plano de saúde. O método também é adotado pelo clube da Associação do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Minas Gerais (Ascobom), com cerca de 30 mil filiados. Uma das opções de pagamento da mensalidade de R$ 36 referente à aquisição da cota como filiado também é a conta da Cemig. Outro serviço com desconto na conta é o plano de auxílio funerário da Funerária São Cristóvão, de Belo Horizonte, que conta com a facilidade da cobrança na fatura. Segundo o atendente, diversas funerárias da capital utilizam desse expediente para facilitar a vida do cliente.

Em nota oficial, a Cemig informa que já estaria cumprindo a determinação do MP ao fazer novos contratos e impedir a renovação dos contratos em vigor. “Não nos resta alternativa a não ser propor ação visando a imediata paralisação da cobrança de serviços de terceiros, pois contratos que já se encontravam vencidos estão sendo prorrogados”, informa Baêta, no escopo do processo. Segundo o promotor, o MP tentou buscar uma solução amigável para o problema, realizando diversas reuniões com a diretoria da Cemig. Ele afirma ainda ter recebido ofício assinado pelo presidente da autarquia, Djalma Morais, reconhecendo a cobrança como indevida e comunicando a suspensão dos contratos até o fim do ano. A carta é datada do início de 2008.

Para proceder à dupla cobrança, segundo o promotor, a Cemig seria obrigada a instalar o duplo código de barras na conta, dando liberdade ao cliente para deixar de pagar o serviço extra. Ao fazer isso, ele estaria submetido às sanções previstas no contrato com a empresa, como ao pagamento de juros e até a multa, mas não à interrupção no fornecimento de energia elétrica. “Muitos usuários desses serviços extras são pessoas mais simples, que podem ter guardado o dinheiro no fim do mês para não atrasar a conta de luz, mas não têm como pagar o plano de saúde popular”, explica o promotor. Ele lembra que a Cemig costuma ser ágil e, com 60 dias de atraso no pagamento, já está cortando a luz do consumidor. “Se a Cemig quer atuar como cobradora, terá de arcar com a co-responsabilidade da empresa prestadora de serviços no caso do envio de uma conta no endereço errado ou se o nome do cliente for parar no SPC, por exemplo”, completa.

Doações preservadas

As denúncias de dupla cobrança na conta da Cemig chegaram ao conhecimento do MP de forma indireta, em 2008. Partiram das reclamações de clientes em dificuldade de cancelar doações a instituições de caridade. Segundo consta do processo, uma vez efetuada a doação, o consumidor era constrangido a pedir o cancelamento à entidade que recebia o donativo e não diretamente à Cemig.

Na época, a simples ameaça de proibição da cobrança das doações em conta provocou o pânico entre os diretores das entidades sem fins lucrativos. Em setembro de 2008, audiência pública na Assembleia Legislativa reuniu representantes de 30 instituições, além dos representantes do Ministério Público, do Procon Assembleia e da concessionária de energia elétrica. “Creches, asilos e comunidades terapêuticas entraram em pânico diante da possibilidade de cessar o desconto em conta. Esse é o principal meio de sobrevivência das instituições”, afirma o deputado estadual pelo PSDB, Célio Moreira, autor do requerimento.

Após discussões, ficou deliberado que as doações com desconto em conta da Cemig permanecem autorizadas, em razão da natureza jurídica da doação ser diferente da natureza jurídica da cobrança de particulares. A lista de entidades conveniadas com a Cemig, porém, está sendo examinada pela Promotoria do Terceiro Setor e, além disso, o consumidor passa a ter o direito de cancelar a doação via Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) da Cemig, sem necessidade de contatar com a instituição de caridade.

Marcelo Barbosa, coordenador do Procon Assembleia alerta sobre a importância de formalizar a doação em contrato para facilitar posteriores cancelamentos. Com o documento, o consumidor consegue comprovar que foi o responsável pela autorização e requerer o corte de repasse do benefício. “É fundamental também para se precaver contra entidades falsas e fraudulentas e ainda para efeitos de Fisco”, acrescenta Barbosa.

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