Carta Capital

A luta de classes globalizada

18/12/2009 12:16:32

Celso Dobes Bacarji*
Era para ser o ponto culminante de dois anos de negociações que levariam os paí-ses participantes da Conferência de Mudanças Climáticas da ONU a estabelecerem um programa de cooperação global para o combate às mudanças climáticas. Pelo menos oficialmente, essa era a expectativa da organizadora, a Dinamarca. E, de fato, foi um feito extraordinário, que reuniu, a um só tempo, os 119 chefes de Estado dos 192 países de todo o planeta. Um encontro sem dúvida histórico, pelo desafio gigantesco que representava, de estabelecer a unanimidade sobre um tema complexo, urgente e nivelador nos seus efeitos, em meio a um mundo inteiro de diversidades, entre elas a mais destacada no encontro, que foi a diversidade econômica.

A 15ª Conferência Climática das Nações Unidas representou um verdadeiro confronto de realidades que colocou o até então desconhecido Tuvalu, incluído na mais nova lista de espécies ameaçadas, a das nações em risco de extinção, de frente com a mais nova estrela da elite econômica do planeta, o Prêmio Nobel da Paz, Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, um dos países responsáveis por grande parte dos gases de efeito estufa que se acumu-lam há mais de um século em nossa atmosfera, causando o aquecimento global e que, por fim, ameaça Tuvalu.

Os momentos de fama desse pequeno país insular do Pacífico começaram logo no terceiro dia da Conferência, 9 de dezembro, quando, inconformados com a tentativa dos países desenvolvidos de elevar o teto do aquecimento global de 1,5º C para 2° C até 2100, a delegação de Tuvalu puxou o coro dos protestos, que acabou mobilizando também os países da África, os mais pobres e mais vulneráveis. Eles acusavam os ricos de condená-los à morte, caso a temperatura chegasse a esse nível. Os protestos geraram uma primeira paralisação das negociações e uma onda de manifestações na cidade e em todo o mundo, como forma de pressionar as nações líderes para a situação dramática das populações desses países.

Deixando vazar rascunhos de acordos com propostas muito distantes daquelas defendidas pelos países pobres e em desenvolvimento, o grupo das nações desenvolvidas ajudou a acirrar os ânimos, fazendo crescer os protestos das delegações e organizações não governamentais, aumentando a divulgação de casos dramáticos e emocionais, que inundaram a mídia.

Os países mais pobres, apoiados pelos emergentes, reiteraram a cada rodada a necessidade de um acordo que atendesse a alguns pontos para eles inegociáveis. Era preciso, em primeiro lugar, que as propostas de Copenhague tivessem um caráter vinculante, isto é, força de lei para garantir o seu cumprimento. Em segundo lugar, teriam de distribuir as responsabilidades, tanto em termos de metas de reduções de emissões quanto de financiamentos para as medidas mitigadoras e adaptativas, de acordo com a grandeza econômica dos países. Era preciso também, para os países pobres, assim como para grande parte dos emergentes, a redução de 25% a 40% até 2020 em comparação com 1990, como sugerem os cientistas, e a manutenção do Protocolo de Kyoto.

Em outras palavras, os países industrializados teriam de propor as maiores metas de redução e arcar com a maior parte dos custos. Em suas manifestações, os países desenvolvidos também faziam suas exigências, entre elas, queriam dividir as responsabilidades com os países emergentes, criar mecanismos de verificação da implementação das ações, ao mesmo tempo que apresentavam metas insastifatórias de redução de suas próprias emissões.

Com a presença dos negociadores de “segundo escalão”, os ministros de Estado ou embaixadores, no fim de semana passado, Copenhague começou a viver um prenúncio do que seria a chegada dos chefes de Estado, programadas para quarta e quinta-feira. Brigas por espaço na mídia, declarações contraditórias e radicalizações ainda maiores, pelo menos em público. A entrada dos “ministros” nas negociações não fez, no entanto, com que elas avançassem, enroscadas nas mesmas questões que polarizaram países probres e ricos, com os emergentes no meio, bem posicionados em cima do muro.

A partir de quarta-feira, com a entrada em cena dos 119 chefes de governo, as negociações sofreram uma reviravolta, passando a ocorrer por meio de contatos diretos entre as principais autoridades, em reuniões nos hotéis, videoconferências e telefonemas, deixando a imprensa e a multidão de observadores sem ideia do que estava acontecendo. O primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, a premier alemã, Angela Merkel, e o presidente Nicholas Sarkozy, da França, foram os mais ativos nessa maratona de contatos.

O presidente Lula manteve conversações com o presidente francês Nicolas Sar-kozy, com o premier Gordon Brown, que foi visitá-lo no hotel, na tarde de quarta, e com o presidente da COP-15 Lars Rasmussen, que também procurou Lula para pedir seu apoio às propostas dinamarquesas. O presidente Obama manteve-se estrategicamente mais afastado dessas movimentações, chegando a provocar rumores de que não participaria do final da cúpula. Mesmo assim ligou para o presidente Lula, na quinta-feira 17, “para conversar sobre a importância de os dois países continuarem trabalhando em prol de um resultado positivo”, na COP.

Até o fechamento desta edição, na véspera da conclusão da Conferência, os representantes de cada país discursavam no plenário da assembleia-geral como se estivessem começando as negociações. Apresentavam, entre os apelos dramáticos de entendimento, visões apreensivas sobre “o momento histórico” e chamados emocionados sobre a necessidade e a urgência de uma acordo global.

O presidente Lula, durante seu discurso na Conferência, manteve a posição brasileira de defesa do Protocolo de Kyoto, pediu empenho dos países ricos para fechar um entendimento ainda em Copenhague e repetiu uma das cobranças reiteradas pelas nações pobres na COP-15: “Os países desenvolvidos devem assumir metas ambiciosas de redução de emissões à altura de suas responsabilidades históricas e do desafio que enfrentamos”, e fechou alertando que “o veredicto da história não poupará os que faltarem com suas responsabilidades neste momento”.

As avaliações dos principais observadores, no fim da tarde da quinta-feira, eram de que as possibilidades de um acordo definitivo, vinculante, mantendo as bases do Protocolo de Kyoto, em Copenhague, eram praticamente nulas. Na melhor das hipóteses, os países participantes teriam estabelecido um patamar mais ou menos consensual para a continuidade das negociações durante o ano de 2010. Mas, mesmo sem um acordo formal, a COP-15 ficará marcada como o primeiro passo da humanidade para tornar realmente globais as discussões sobre o futuro do planeta e sobre os novos modelos de convivência do ser humano com os recursos naturais.

*Com informações do correspondente da Agência Envolverde em Copenhague, Reinaldo Canto

Comentários

Postar um comentário