Na mesa de negociação

EM ALGUMA EMPRESA...

A sala de reunião do Comitê está preparada. O serviço de cafezinho, pão de queijo, biscotinhos está colocado na mesinha, na entrada da sala. O sempre alerta data show já foi testado. Enfileirados ou em grupos de dois ou três entram os diretores e supervisores. Por último chega o todo poderoso, presidente do Comitê, cumprimentando a todos presente com magnânima eqüidade. Ainda é engraçadinho, gosta de fazer uma piadinha e falar de futebol. Parece um bon vivant.
— Onde estão nossos dignos e bravos representantes dos trabalhadores, grandes diretores sindicais?— pergunta.
Outro diretor faz algum comentário agradando ao seu diretor mor.
Do outro lado da mesa estão os diretores sindicais – dos vários sindicatos que representam os trabalhadores daquela empresa.
O presidente, sempre cioso de seus deveres políticos, faz questão de comentar o último boletim distribuído ou fala de alguma setorial da qual teve notícia pelos seus espias, que são muitos espalhados por todo o estado.
— “Senhores, eu sei mais da vida de vocês que suas próprias esposas”, comenta.
— Sem mais delongas, senhores, vamos à ordem do dia.
O primeiro item da agenda é o da aprovação da verba de negociação, é o nosso limite. Por alguma razão obscura, este assunto sempre merece o lugar de primeira prioridade na agenda.
— Nós não temos autonomia de negociação. Essa definição e de todas outras cabem ao Conselho de Administração e à diretoria... Mas, vamos negociar...
— Estão todos de acordo com a proposta da Diretoria de converter o pagamento dos lucros em totalmente proporcional, ou pelos 84% proporcional aos salários — pergunta o digníssimo presidente.
— A intenção da empresa é estender esta forma de pagamento também aos trabalhadores? — pergunta o inevitável Satanás, representante dos trabalhadores naquela mesa de negociação.
O presidente aguarda o fim das gargalhadas dos diretores para passar o privilégio da resposta para o diretor de Recursos Humanos, que explica calmamente o sistema de pontuação Rolland, a janela MSO e a pirâmide de Jones ao infeliz.
Vendo que os 25 minutos de explicação não convenceram os representantes, mas acreditando que a sua perfomance foi boa, o presidente passa para outra questão.
— Agora vamos apresentar para vocês o nosso PCR, nosso, quero dizer, da empresa que sempre se preocupa com o bem estar de todos seus colaboradores. Mas, precisamos com urgência avaliar o desempenho de cada colaborador e pressionar para acabar com o absenteísmo. Esse ano, por exemplo, como diz o Tio Djalminha estamos sem dinheiro e ainda por cima fica morrendo trabalhador de empreiteiras.
Outro diretor, de recursos humanos, mas não tão humano assim, fica irritado.
— Afinal de contas a empresa não tem nada com isso. Ela terceirizou por isso. Para não ter responsabilidades com os terceiros, pois já é difícil cuidar dos próprios, dos terceiros então...
— Está em discussão o projeto de capital para a centralização do Centro de operações. Peço ao prezado diretor financeiro que projete os slides a respeito.
Levanta o diretor financeiro, de terno, mas sem paletó, para ficar mais simpático e, com porte imponente dirige-se à tela do data show. Depois de limpar a garganta, ele solicita ao manejador do laptop que inicie a projeção do seu brilhante projeto – eficiência operacional. Números, mais números, palavras pomposas, outras desconhecidas, várias citações em inglês – smart grid, uma lógica aparentemente impecável. Vamos dominar o planeta. Faremos a melhor energia do universo. Seremos ‘o cara”.
Após 25 minutos de "siga os quadros se puder" e repetição de quase todos os quatrocentos números expostos, a justificativa do projeto chega ao fim.
— Os senhores representantes dos trabalhadores entenderam tudo, não é mesmo? Mas, este projeto não é uma proposta. Não é atribuição dos sindicatos e muito menos dos eletricistas, operadores discutirem este projeto. Nenhum de vocês tem formação para isso. E a empresa não vai pagar nada para que vocês se formem. Pra que criar cobras? A gestão é função dos diretores dessa empresa. Não venham com democratismo, isso é coisa desse governo que aí está.
— Isso está entendido, é um pressuposto de uma boa administração. fala, irônico, o diretor financeiro.
— Muito bem, senhores, a reunião está encerrada, semana que vem apresentaremos por escrito nossa proposta definitiva de acordo — declara o presidente.
Levantam-se todos. Os diretores se agrupam ao redor da mesinha de café e aguardam a saída dos diretores sindicais. Assim que estão a confortável distância, a porta se fecha e o presidente, como de costume, pergunta:
— Podemos começar a verdadeira reunião?

José Luiz Fazzi

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