Massacre de Ipatinga

Mobilização quer elucidar o "Massacre de Ipatinga"

por Diário Popular

07/10/2009 00:00

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O vereador Agnaldo Bicalho (centro), ao lado de historiadores, sindicalistas, jornalistas e políticos envolvidos no projeto
IPATINGA - O plenário da Câmara Municipal foi palco, na noite de ontem (06), de uma audiência pública visando a resgatar a memória do chamado "Massacre de Ipatinga" - fatídico episódio em que metalúrgicos foram mortos pela polícia, no dia 07 de outubro de 1963. O evento integra uma semana de atividades promovida pela CUT Vale do Aço, com o apoio da Pastoral Operária, Movimentos Populares e do vereador Agnaldo Bicalho (PT).
Durante entrevista coletiva à tarde, a historiadora Marilene Tuller e o jornalista Marcelo Freitas, autores de dois livros sobre o massacre, revelaram o processo de construção de suas obras. Professora do UnilesteMG, Marilene documentou o acontecimento no livro "Massacre de Ipatinga: mitos e verdades", publicado em 2007.
"O livro foi resultado de uma dissertação de mestrado e tinha o intuito de questionar o porquê de, passados tantos anos, o assunto ainda ser um tabu para a população da cidade. Hoje me deixa muito feliz saber que após sua publicação, foi desmistificado esse tabu de que tocar nesse assunto poderia causar represálias, já que até agora posso garantir que não sofri nenhuma", disse Tuller.
A historiadora ainda enumerou outros mitos envolvendo o episódio, que até hoje carece de documentação do período para elucidar o que realmente aconteceu em Ipatinga. "Essa carência de elementos para que possamos saber mais sobre o massacre também pode ser considerada um mito. Há muito o que ser pesquisado, por exemplo, nos arquivos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) onde foi criada uma CPI na época para apurar o caso. Também há vários jornais que noticiaram o massacre, sem contar os processos contra os policiais envolvidos no episódio", listou.
Outros aspectos ainda nebulosos, na visão da historiadora, dizem respeito ao número de mortos - dados oficiais afirmam terem sido apenas oito -; além de uma suposta "infiltração comunista" entre os metalúrgicos - o que foi sustentado por vários anos pelas autoridades, em uma tentativa de justificar a ação repressora. "Não podemos nos esquecer que o Massacre de Ipatinga" está intimamente ligado ao processo que culminou no golpe militar, em março de 1964. Por isso, muitas coisas foram distorcidas, quando não simplesmente apagadas", avalia.

RESGATE
Para o vereador Agnaldo Bicalho, a sociedade ipatinguense não pode mais conviver com a "cultura do esquecimento", especialmente no que diz respeito a um fato tão marcante na história da cidade. Ele diz que é nesse ensejo a proposta de uma audiência pública para relembrar o assunto, como também de um requerimento que pretende apresentar no dia 20 à Mesa Diretora, pedindo que a siderúrgica disponibilize seus arquivos da época para fins acadêmicos.
A iniciativa parte também do vereador fabricianense Marcos da Luz (PT), que hoje deve protocolar documento de igual teor no Legislativo de seu município. "Na época do massacre, Ipatinga ainda era um distrito de Coronel Fabriciano. Em nosso requerimento, encaminhamos uma solicitação ao atual presidente da empresa, Marco Antônio Castello Branco, como também ao Assessor de Relações Institucionais, Delson Tolentino, pedindo esclarecimentos sobre o ocorrido. Outra coisa que consideramos importante é que a Usiminas abra seus arquivos históricos sobre o tema para livre consulta por parte de pesquisadores, acadêmicos e jornalistas", defendeu.
Caso se obtenha retorno positivo da direção da empresa, cópia do material também será encaminhada à CUT Vale do Aço, na pessoa de seu presidente Marcos Túlio da Silva. "Sempre temos desenvolvido atividades relembrando o Massacre de Ipatinga, com o objetivo de resgatar uma parte muito importante da luta dos trabalhadores na região. Fomos procurados, inclusive, por familiares de vítimas que identificaram seus parentes nas fotografias que expusemos", destacou Marcos Túlio. (Robson Almeida)

Jornalista encontra na Bahia famílias de possíveis vítimas
IPATINGA - A audiência pública realizada ontem à noite também contou com a participação do jornalista Marcelo Freitas, que autografou exemplares de seu mais recente livro sobre o massacre: "Não foi por acaso". Na obra, ele discorre sobre aspectos ainda pouco esclarecidos do episódio, e acompanha sua repercussão na vida das pessoas que o testemunharam, durante as quatro décadas seguintes ao massacre.
Natural de Nova Era, cidade a 80 quilômetros de Ipatinga, Marcelo despertou um grande interesse pelo tema a partir de 1988, quando trabalhava no jornal belohorizontino "Hoje em Dia", e foi escalado para fazer uma reportagem sobre o episódio histórico. Depois disso, ele aprofundou seu contato com as fontes que havia consultado em seu trabalho, e o fruto desta apuração lhe possibilitou escrever o livro.
"Hoje posso discordar de que tenham sido apenas oito pessoas a morrer no Massacre de Ipatinga, pois através da consulta a bases de dados da segurança pública, como também da Receita Federal, reuni elementos que me levam a crer em um número bem superior", avaliou. Segundo ele, em pelo menos outros dois casos foi possível identificar pessoas que, se não se pode comprovar terem morrido no massacre, já se tem certeza que desapareceram logo depois o confronto entre a polícia e os metalúrgicos.
Trata-se de três homens oriundos de Itapetinga, cidade localizada no sudoeste da Bahia, que na época vieram para Coronel Fabriciano à procura de oportunidade de emprego. Dos três, apenas um retornou a seu local de origem. Os outros dois que estiveram no alojamento dos metalúrgicos na manhã do dia 07 de outubro de 1963 nunca mais foram localizados em parte alguma. O jornalista conseguiu encontrar as famílias de Jesuíno e Fábio, os trabalhadores desaparecidos, em Belo Horizonte e Itapetinga.
Outro relato que suscita dúvidas quanto ao número de mortos foi o de um ex-funcionário de uma funerária, que se recorda da encomenda de 32 caixões de madeira, no dia do confronto. Há ainda uma correspondência que teria sido encaminhada pela Usiminas ao Metasita, pedindo a homologação das demissões de 39 funcionários da empresa, por ?terem abandonado o serviço". Também é possível que o clima de tensão seja o que realmente tenha motivado o desaparecimento ou abandono do emprego por parte dos metalúrgicos. Como a carta foi queimada em um incêndio ocorrido no Metasita, resta apenas o depoimento do dirigente do sindicato naquela época. Os dados dos metalúrgicos "demitidos" poderiam ser de grande valia no resgate da história do massacre. (RA)

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