Confissões de um velho militante

Confissões de um velho militante Participar da greve dentro de casa é de certa forma, perturbador. Às vezes você fica alheio ao que rola nas negociações ou o que se conseguiu com a mobilização, quem parou, quem voltou. Você quer ir para o movimento, ajudar na mobilização, mas uma força descomunal te prende nas já deformadas espumas do sofá, deformadas e suadas. Uma força chamada preguiça ou mesmo cansaço por tantos anos de militância. Não sei se ficarei sem salário no final do mês, como pagarei as contas. Entrei mais tarde na greve, mas, primeira confissão, não tenho o vigor de outrora. Então, sou um soldado de caserna, que cuida de serviços administrativos ou mesmo um empregado de montadora de veículo cumprindo férias coletivas por conta da crise. Sou um militante colado ao sofá, molhado e deformado, de pijama, virtual, que se dê outros nomes, conforme a avaliação que se faça desse tipo de prática. Segunda confissão, não sei se sinto remorso pela primeira confissão. Mas ser militante de pijamas tem seus percalços, tipo, como o dinheiro anda curto, encurta também o consumo da cerveja, com a internet intermitente, você passa a ser um militante semi-virtual. Joga-se buraco pelo celular, navega na internet, escuta música, lê alguma coisa, um resto de jornal, um livro já lido em outras ocasiões, brinca muito pouco com os meninos, dorme, baba no sofá molhado de suor, vê programas de televisão, na verdade, passa os canais ligeiramente, como tentando ver tudo ao mesmo tempo, realiza tarefas domésticas. Me parece que é um treinamento de como será a sua vida ao aposentar. A própria aposentadoria do ativismo torna a sua vida mais lenta, diferente dos dedos ágeis do controle remoto, que passa por tudo mas não encontra nada. Aliás, terceira confissão, o saudosismo toma conta de mim sistematicamente. Sonho com pessoas que lutaram comigo, às vezes penso como estarão agora. Acabei de mudar o meu perfil no facebook, colocando uma foto antiga, de camisa vermelha e mega-fone na mão. Acho que essa minha participação na greve, mas dentro de casa, de certa forma me deu uma sacolejada na minha preguiça social, pode ser que eu volte não para o movimento sindical, mas para uma outra forma de atuação, talvez o meio ambiente ou alguma coisa relativa ao município onde moro. Agora, uma última confissão, não suportaria mais reuniões de 03 ou 04 dias com 10 ou 12 horas de duração por dia, reuniões em todos os fins de semanas, na véspera de natal, em plenas férias. Suportaria sim reunir os verdadeiros companheiros e companheiras das antigas num grande churrasco, para relembrar os bons momentos. Tirei uma conclusão que o ócio é gostoso, ficar à toa é bom de mais, mas há algo que corre em minhas veias que se chama sede de justiça. Acho melhor pegar dois controles, o da televisão e passar os canais freneticamente, como a buscar mais respostas à sua vida que segue ou o do antigo vídeo cassete, rebobinando a fita, mas revendo conceitos e continuando a lutar, não no sofá, mas no contato físico dos que precisam. Marcos Túlio

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