Os anos 80 foram perdidos?

Os anos 80 foram perdidos?


Muitos consideram a década de 80 do século passado, uma década perdida. Nos últimos dias, comecei a refletir se realmente perdemos tanto assim. Acho que são reflexos da proximidade dos meus 40 anos, pois tenho pensado naqueles anos, os quais vivi minha adolescência e juventude.

Acredito que perdemos muito com a nossa economia descontrolada, uma inflação galopante, desemprego nas alturas, um resquício de ditadura, mas, por sorte, moribunda. O liberalismo e conservadorismo da dupla Thatcher-Reegan, fizeram recrudescer a democracia pelo mundo. Vivemos com a tensão do episódio das Malvinas, a possibilidade de guerra nuclear, a invasão em Beirute, a ascensão dos aiatolás, guerra Irã-Iraque, o financiamento estadunidense de oposição à revolução sandinista. Claro que chorei um pouco pela derrocada do muro de Berlim, mas senti um alívio, pois nunca associei socialismo com falta de liberdade, para mim os dois não podem andar juntos.

Na cultura, tivemos perdas inestimáveis, como a de John Lenon, Bob Marley, Vinícius, Nara, Drummond, Elis, Clara, Cartola, Gonzagão, e tantos outros. Ao mesmo tempo, um rock brasileiro se firmava com o aparecimento de bandas como os Paralamas do Sucesso, Titãs, Legião, Plebe Rude, Ira, Engenheiros, Ultraje, RPM. Em outra ponta, o fortalecimento de carreiras como a de Guilherme Arantes, Leila Pinheiro, Oswaldo Montenegro, Eduardo Dusek, Alceu Valença, Emílio Santiago, enfim, o vai-e-vem das perdas e vindas, ou encontros e despedidas de Milton e Brant.

E a tragédia na Espanha? Aquela seleção foi um primor, com um meio-de-campo maravilhoso, eu vi uma nação sonhar e chorar, se desesperar por causa de um tal Rossi. Mas tivemos a geração de prata e a de ouro no vôlei, um Maracanazinho lotado para ver URSS e Brasil, Piquet e o tri-campeonato, um Flamengo formidável sob a batuta de um tal “Galinho” e, Joaquim Cruz.

Mas o que marcou muito para mim foi a campanha pelas diretas. Eu via pela televisão um mundaréu de gente, mobilizações locais e a tristeza da decisão. A morte de Tancredo também foi muito triste, mas a sua cobertura me pareceu sensacionalista. A coleta de assinatura para incluir alguns assuntos na constituinte, a minha emoção de pegar o meu título aos 17 anos e depois na campanha de Lula em 89. Me pegaram com material do companheiro fazendo boca de urna. Bons tempos de movimento estudantil. Depois foi a torcida no segundo turno e a ressaca da derrota. Essa também mexeu comigo, me pareceu a tragédia espanhola de 07 anos antes. Mas o legal, era ver as pessoas acenando com o “L”, seja nos carros ou como transeuntes e o programa eleitoral com aquele monte de artistas. Bons tempos.

Na década de 80, gostava dos filmes dos Trapalhões, do He-Man, das revistinhas da Turma da Mônica, Roque Santeiro foi um sucesso. E o Perdidos na Noite? Era bom de mais ficar até de madrugada para ver o programa. E a turma do Balão Mágico?Nesse período li a coleção de José de Alencar, vários do Machado, muitos de Jorge. Chico entregaria várias obras como os LP’s Vida (um dos que mais gosto) de 1980, Almanaque de 1982, Chico Buarque de 1984 ( com a ótima Vai Passar), Francisco de 1987 e Chico Buarque de 1989.

E as peladas na rua, jogando descalço, arrebentando a ponta do dedão? Eram três ou quatro três times, debaixo de chuva ou no sol escaldante. Período que não tinha dinheiro para nada, mas foi legal.

Acho que não foi uma década perdida. Foi uma década de descobertas, de busca da liberdade, de derrotas e perdas sentidas, de sonhos e de esperança, pois não íamos muito bem, ainda mais com o FMI no nosso encalço. Foi um período para se buscar os tempos de delicadeza como diria o poeta. E quem não cantou, “ eu só queria ter no mato, um gosto de framboesa, para correr entre os canteiros e descobrir a minha tristeza”. Só nos anos 80 mesmo, com a TV Pirata, os Smurfs e tudo que poderíamos desfrutar. Quase quebramos enquanto nação, mas nunca perdemos a esperança, nem mesmo a década.

Marcos Túlio

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